Cadê a MPB, cadê??
Crio, logo existo
Solitude e solidão
Superstições e manias
Oráculos e palpites
Vamos índio
Uma questão de fé
Da cor do pecado
A cura pelos cristais
Essa tal de felicidade

"Crônicas"

   
 
Algumas das crônicas escritas por Luhli e publicadas mensalmente no jornal SÉCULO XXI, de Nova Friburgo.

CADÊ A MPB, CADÊ?
A verdade sobre o que acontece nos bastidores da atual MPB

Nos tempos de Chiquinha Gonzaga, em que a mídia não existia, quando ela compunha uma polca os editores iam vender as musicas impressas assobiando as melodias pelas ruas. Com a chegada do rádio, os autores começaram a ter a necessidade de ganhar algo com a execução de suas obras. Criaram-se as primeiras sociedades autorais e essa coisa toda de mídia começou.
As pessoas questionam onde foi parar a verdadeira musica popular brasileira, dizem que não há mais compositores como antigamente. Não sabem que há centenas de nós, fazendo boa musica e sem espaço na mídia, como menestréis cantando só para amigos, vendendo cds independentes no mão a mão.

Se querem saber a verdade sobre o que acontece nos bastidores da MPB, leiam esse desabafo, que um dos nossos maiores letristas, meu parceiro Alexandre Lemos, compartilhou no Face Book. A verdade do que ele diz me fez escrever uma resposta, que reverberou peIa Internet afora, em milhares de acessos. Dois sobreviventes da nossa música mostrando a vocês os dois lados da moeda.

Ele escreveu:
Tenho 140 canções minhas gravadas por mais de 40 intérpretes, entre eles super stars, como Ney Matogrosso. Há quem me conheça, há quem me admire. Mas eu, sinceramente, não vejo mais graça nessa brincadeira. Tentei ser artista e profissional ao mesmo tempo. Assinei contratos com editoras, fiz canções como quem faz jingles. Só quem já passou por isso sabe o quanto é difícil fazer canções que precisam ser originais e não ter nada de novo ao mesmo tempo, que sejam únicas e iguaizinhas às que estão tocando nas rádios. Isso banaliza a música a tal ponto que dá vontade de largar o violão e abrir uma franquia de pão de queijo. Quer que sua música toque no rádio ou numa novela? É simples: pague o jabá. Bate uma alegria quando uma música da gente começa a fazer sucesso, mas logo tudo perde a graça, por sabermos que nossa música estar tocando na rádio significa apenas que se conseguiu que o diabo se interessasse por nossa alma. Houve um momento em que pareceu que os artistas ditos independentes seriam a salvação. Mas, em sua maioria, eles acham que só eles merecem ganhar alguma coisa com seu trabalho. Não pagam direitos autorais pela venda de seus CDs e, via de regra, não encaminham pro ECAD a lista do que vão cantar nos shows. Como o ECAD não é bom de adivinhação, o autor fica a ver navios.

Mais do que direitos autorais, faltam mesmo são os direitos de ser autor.
O direito de ser artista sem que isso signifique ser marginal ou marginalizado.
O direito da sociedade em ouvir o que ela mesmo faz e cria, sem passar pelos filtros dos executivos das majors e das rádios e das tevês, uma gente que não entende nada de arte, não tem bom gosto e nem escrúpulos.
Tô cansado, sem nenhuma vontade de seguir nesse trem de doido. Pensei em me aposentar, mas me disseram que artistas não se aposentam, pela própria natureza do que fazem. Que esse texto, então, me sirva de obituário simbólico e que, pra ficar ainda mais musical, receberá o título de Aqui, Jazz. O que não passa de um típico trocadilho de músico. “

E a minha resposta:
Conheço muito bem toda essa história que meu parceiro Alexandre Lemos conta.
A mídia, que nasceu para divulgar a arte, se tornou um fim em si mesma, e a arte sobrou, ficou fora da engrenagem do show bizzz, da fabricação em massa de musicas-chiclete, mastigadas, logo cuspidas e ávidamente substituidas por outros chicletes musicais. Isso não tem nada a ver com musica popular brasileira. Musica de verdade é a que alimenta a alma, faz a cabeça, comove o coração, vira símbolo de uma época, entra pelos poros, une as pessoas num mesmo uivo de alcatéia feliz. E, com o tempo, fica cada vez melhor. Existe, por esse Brasil afora, uma riqueza enorme de manifestações musicais populares, festas e folguedos com infinita variedade de ritmos, tanto mais ricas quanto mais pobre é o povo. Com todo o massacre da televisão estão lá resistindo, vivos e pulsantes, os reizados, os carimbós, xotes, bois e cirandas. Mesmo nas cidades o samba prolifera, imbatível, nos churrascos nas lajes e nas rodas de fundos de quintais. Não se trata, portanto, de uma escolha do público, mas de uma jogada despótica de um capitalismo enlouquecido ao ver fugir do seu domínio os lucros extorquidos dos artistas pelo advento da Internet, que abre portas para um outro futuro. Sem se conseguir ganhar a grana que não rola em consequencia disso tudo, a vida fica muito difícil. Então é salve-se quem puder, nessa hora nada é contra entrar num negócio de pão de queijo.....ou qualquer forma de sobrevivência digna,desde que não corrompa nosso prazer de ser musica. Isso é que a gente não pode deixar acontecer.

O importante agora é resistir, confiando num renascimento que venha a por fim nessa Idade Mídia, defendendo ferozmente a relação de amor com a nossa arte.
O ato criativo traz no seu bojo a essência do sagrado. A alegria da chegada de uma musica nova é um sopro de renovação e esperança. O importante é não perder o acesso a nós mesmos que só o prazer criativo traz. Envelhecer não tem de ser esmorecer.
O grande desafio, caro parceiro, é ser fiel a si mesmo, ao seu genuíno prazer e não à sua amargura.
Por seu talento, por nosso alento, para ser maior que o momento, vamos lá, vamos juntos, celebrar o fato de sermos sobreviventes compondo mais uma?...

Grande abraço
LUHLI

CRIO, LOGO EXISTO

Minha netinha Luiza, com apenas um ano e meio, é compositora. Ela fica o tempo todo cantarolando uma amálgama pessoal das músicas que ela escuta, misturadas com trechos dela mesma, numa melopéia mais ou menos assim:
Ah, o tio Xandi tá no carro com a neném e a mamãe também, bambaiaião, cai cai babão, quero um sorvetão...e por aí vai.

Não importa aqui a qualidade musical, o que vale é o impulso criativo, o lúdico no som. Som é o melhor dos brinquedos, não quebra nem gasta pilha e se pode usar em qualquer lugar ou ocasião. Infelizmente, a brincadeira musical é reprimida pela maioria dos adultos, que não distinguem berreiros e birras de um cantarolar criativo.
A ordem ríspida de CALA A BOCA!!!! acaba com o barulho, seja qual for.
No entanto, se a criança estiver rabiscando num papel, ela é chamada de anjinho, porque ficou quietinha.

Nas minhas oficinas musicais a maior parte dos participantes que vem buscar ajuda foram castradas musicalmente na infância e desenvolveram um sentimento profundo de incapacidade musical, mesmo que adorando música. Essa incapacidade afeta a criatividade das pessoas em outras áreas de comportamento,ao falar, dançar, escrever, desenhar, até mesmo cozinhar. E bloqueia o acesso a um dos melhores recursos para aumentar a auto-estima e o prazer de viver, que é o ato criativo. Do inventor que bola uma engenhoca até o escultor com seu cinzel , do selvagem batendo seu tambor até o cineasta fazendo seu filme, é a criatividade que faz a ponte entre os dois lados do infinito, que transforma devaneios em obras, idéias em produtos, sonhos em realidade, seja qual for a expressão criativa. Deus criou o mundo completo, então o pintor e o desenhista abrem um espaço em branco e completam a criação de Deus, seja com um garrancho ou com a Mona Lisa. O escultor diz que não cria, que só retira do mármore ou da madeira o que estiver sobrando, e o que fica é a escultura. Em qualquer manifestação artística é a mesma coisa, a criatividade nos dá a estranha sensação de parecer acontecer por si mesma, é algo que flui através de nós e o que temos que fazer é só deixar rolar. Como dizia Debussy, o artista não cria, capta.

Os japoneses vem desenvolvendo uma pesquisa sobre as vibrações do DNA das células. O DNA é como uma larga fita em espiral, sobre a qual estão dispostos os cromossomos, cada DNA com uma disposição única e individual. Os japoneses virtualmente aumentam muitas vezes o DNA e colocam uma pauta sobre os cromossomos, passando a ler a melodia resultante. Fizeram a partir daí muitas descobertas, entre elas a incrível constatação de que o tema melódico da Marcha Fúnebre é o código genético de um cancer. Cada célula viva em nosso corpo está vibrando sua musiquinha e cabe a nós captar, fisgar essas melodias e entregá-las ao mundo, tal como a onda joga na areia uma concha, fisgada entre milhões de conchas submersas no oceano.
Dizem os psicólogos que nossa correria cotidiana é uma preparação para esse momento, pois é no ato criativo que o ser humano é pleno e a humanidade encontra sua razão de ser. Alguns sociólogos vão mais além, afirmam que sem o ato criativo a sociedade não existiria.
Respiratórios, alongamentos, meditação, ouvir e cantar música no dia a dia, ou simplesmente um rompante de pura alegria podem liberar esse canal de acesso a nós mesmos, e a sensação resultante é uma espécie muito especial de felicidade.

A criatividade é acessível a qualquer um que queira entrar em contato consigo mesmo, sem que seja preciso saber musica ou tocar um instrumento para isso. Alguns dos grandes compositores brasileiros da velha guarda compunham só batucando na caixinha de fósforos, tais como Braguinha, Lamartine Babo, J.G., e Humberto Teixeira, entre outros. Mais ainda, apresento a quem quiser ver e ouvir o Zezinho, que compõe assobiando e dançando no poleiro. Zezinho é um pássaro, um calopsita macho, topetudo e sedutor, que descobriu o princípio do desenvolvimento melódico e compõe assobiando músicas harmoniosas e bem estruturadas a partir de qualquer tema que se cante para ele.

Conheci a tempos atrás na Bahia o papagaio Lourival, que morava num poleiro na varanda no violeiro Xangai, em Itapoã. Lourival compunha sem parar, que nem o calopsita Zezinho. Uma vez perguntei pro Xangai porque ele não levava o Lourival para a televisão, não mostrava aquele fenômeno. Meu amigo violeiro respondeu que tinha pena de fazer isso com o bichinho. Que iriam tirar a paz dele e do Lourival, estourar milhões de flashes na cara do papagaio, atormentar o animal com solicitações incessantes. Se ele apresentasse gravações da cantoria do Lourival iriam taxá-lo de golpista, falsificador, mentiroso, aproveitador, e outras acusações mais. A Sociedade Protetora dos Animais cairia encima dele e aquela vidinha mansa de beira de praia se transformaria num inferno. Que deixasse a ave ali, no seu poleiro envolto pela brisa salgada de Itapoã, compondo para o por de sol......
E eu achei mesmo que ele estava com toda a razão.

SOLITUDE E SOLIDÃO

O futebol na TV mostrava a arquibancada se movendo em ondas, a torcida perfeitamente sincronizada naquele movimento, como se fosse uma coisa ensaiada. Será que aquela gente toda se dá ao trabalho de ir a um estádio só mesmo pra ver uns caras correndo atrás de uma bola? Ou porque o jogo funciona como uma alavanca, capaz de despertar aquele sentimento de unidade, que anula todas as diferenças e irmana a todos num mesmo arroubo? Nossa civilização gera conceitos que exacerbam a individualidade, a competição implacável, asfalta tudo anulando o contato com o chão, empilhando as pessoas em caixas de cimento, em cidades fumacentas.

Perdemos assim a conexão com a terra, nossa mãe Gaia, um organismo vivo e dadivoso que nos proporciona tudo o que precisamos. Nos tornamos folhas que ignoram pertencer à mesma árvore, desaprendemos o sentido da solitude e ficamos condenados à solidão. A solitude é bela e necessária, nos dá a medida da nossa individualidade, limite e potencial, determina nossas derrotas e vitórias. A solitude nos remete à consciência do ser, é o caminho para a luz.
Já a solidão nos impõe um isolamento despersonalizado. Amontoados na multidão informe e indiferente, ficamos anulados por uma impotência sem remédio, que só faz aumentar, sob a pressão do consumismo. Disso surgem as fobias, pânico, estresse, depressão, a fuga para os vícios. Tudo porque se perdeu o sentido da consciência coletiva.

Na Austrália, uns cientistas malucos derramaram montanhas de cimento líquido na boca de um formigueiro gigante. O formigueiro devorou uma quantidade enorme de cimento. Deixaram secar e escavaram, numa área maior que uma praça. O formigueiro então se mostrou inteiro, uma construção de quilômetros, numa arquitetura futurista, perfeita e funcional, lembrando um átomo expandido, algo planejado por uma só inteligência. Um exemplo incrível de consciência coletiva.

Esses dias, recebi pela Internet um outro exemplo disso, um documentário sobre uns pássaros migratórios que, uma vez por ano, se reúnem aos milhares, numa região da Europa. Eles chegam em enormes bandos, voando em formações cerradas, e o encontro desses bandos no ar resulta numa coreografia louca, lembrando amebas em movimento, uns desenhos no céu muito parecidos com as luzes das auroras boreais.Vem gente de longe assistir o fenômeno, e é mesmo um espetáculo fantástico, a perfeita sincronia das circunvoluções das aves que obedecem a um mesmo comando invisível, ocupando o horizonte inteiro.
Me lembrou o que acontece com grandes cardumes, os peixes todos se movimentando como se fossem células de um mesmo organismo. A natureza nos dá de bandeja exemplos de manifestações dessa mágica integração entre indivíduos. Dizem mesmo que os gnomos usam aqueles gorros pontudos pra esconder uma grande antena em espiral, que faz entre eles essa conexão...

Verdade ou fantasia, o que importa?
O fato é que para nos sentirmos completos e felizes precisamos nos sentir ao mesmo tempo no um e no todo. Nossa sociedade promove e fatura milhões nos grandes shows musicais. Do rock ao carnaval, a visão da massa popular pulsante nos mostra essa verdade. Seja no esporte, na musica ou na religião, o homem urbano precisa criar meios de exorcizar o estigma da inglória solidão, enquanto insetos, pássaros, e plantas nos ensinam a solução para esse impasse simplesmente sendo. Nos mostram o caminho para recuperar a dignidade da solitude perdida.

SUPERSTIÇÕES E MANIAS

Dizem que crendice é só atraso de vida, que superstição é uma prisão, uma roubada. Temos que encarar o que vem de cara limpa....mas dar a cara a tapa não ajuda em nada, né?
Para garantir, as pessoas sempre carregam uma medalhinha no pescoço, um patuá no bolso, um amuleto indiano na carteira, ou um exótico símbolo sagrado tatuado em alguma parte intima do corpo. Superstições são sempre relativas ao sagrado, são revestidas por um temor reverente.

Já as manias estão sempre presentes, se manifestam nos mais simples atos do nosso dia a dia. A diferença entre manias e fobias é uma questão de grau. Todos esses pequenos rituais pessoais são formas de neutralizar a insegurança, esconjurar o medo, aquele mesmo temor primevo de aborígines acocorados ao redor de uma fogueira, oprimidos pela imensa escuridão da noite.

O medo é o primeiro inimigo natural do homem, como diz o velho feiticeiro Don Juan, num dos livros de Carlos Castanheda. O medo trava todos nossos atos, paralisa o crescimento interior, nos aprisiona e nos faz criar inúmeros estratagemas, que nos dão a ilusão de termos nos livrado dele. Mas se, apesar do medo, conseguimos superar essa paralisia e agir, o medo deixa de ser um inimigo e vira um aliado, se transforma em cautela, prudência, instinto de sobrevivência. Quando isso acontece se alcança uma grande clareza, a mente se abre e vê tudo sob uma nova luz. No entanto, essa clareza é o segundo inimigo natural do homem. Se formos dominados por ela e nos tornamos impiedosos, estaremos derrotados.
Pois a clareza, sem a ternura essencial, se torna um erro.

Muitas das superstições que permeiam nosso cotidiano vieram das mucamas, das escravas negras que amamentaram e criaram nossos antepassados, inculcando toda uma África em tabus, conceitos e padrões nas cabecinhas das crianças brancas, sem que isso nunca fosse por nós questionado, sequer conscientizado. Para engambelar ioiôs e iaiás, sinhás e sinhôzinhos, o recurso mais eficaz era o medo, do ameaçador boi da cara preta da cantiga de ninar até as mórbidas cantigas de roda, compostas por elas. Seja o gato que levou um pau e não morreu, a canoa que virou porque a criança não soube remar, seja Samba Lelê que precisava de uma boa lambada, até hoje perpetuamos o terror e a angústia da escravidão nessas cantigas.

Algumas manias e superstições são inofensivas, como guardar fósforos usados na caixinha outra vez, passar o dedo em tinta fresca, nunca colocar a bolsa no chão senão o dinheiro vai embora, fugir do número treze, não passar por debaixo de escada ou jogar sal por cima do ombro quando se derrama sal na mesa para cortar o azar, colocar a vassoura atrás da porta para se livrar de uma visita indesejável, bater três vezes na madeira pra afastar mau olhado.
Há manias que viraram costumes que ninguém ousa transgredir, tais como jogar arroz em quem se casa, dizer SAÚDE!!! quando alguém espirra, nunca olhar espelho quando há raios, entrar com o pé direito para dar sorte, e por aí vai.
Outras chegam a obsessões, se tornam verdadeiras prisões, transtorno hoje chamado de TOC, como só sossegar depois de abrir e fechar a porta inúmeras vezes, ter necessidade de lavar as mãos após tocar qualquer coisa, não pisar nas linhas da calçada... daí para as fobias é um passo.Terror de lugares fechados, pavor de altura, de cobra, de rato, ou de insetos. Tinha uma colega de escola que urrava de medo com a simples visão de qualquer bicho de pena, e um aluno de violão que desmaiava ao ver uma inofensiva lagartixa.

A campeã da fobia é sem dúvida a barata, o que é desconcertante por ser um inseto de vôo lento e pesado, que não tem ferrão ou peçonha. Esse inseto pré-histórico é a própria anti-vida. Os cientistas descobriram que baratas e formigas são os únicos animais capazes de sobreviver na lua, onde não há atmosfera nem água.
Dizem os espíritas que a barata veio de Saturno, planeta onde o mal predominou, o fez explodir e o transformou numa bola de gazes tóxicos, com todos os fragmentos sólidos gravitando ao seu redor, formando os célebres anéis. Cheguei à conclusão que a defesa da barata é o próprio medo. Ela emite uma tal vibração de medo, que as pessoas sentem medo do medo dela....

Para se livrar das fobias o homem elabora rituais, sem se dar conta de que ao escapar de uma prisão cria outra prisão. Uma oferenda a um deus é um estratagema, um agrado que é feito em troca do pedido que nos poupe de sermos esmagados por seu poder colossal. E isso pode ser feito com alimentos, bebidas, objetos ou sangue derramado. O sangue do outro para livrar o seu próprio sangue. A vida do outro para safar a sua.
Na realidade, o que está em jogo não são os deuses, são os mesmos antigos medos.

ORÁCULOS E PALPITES

Cresci perto de uma preta velha que cuidava da família e era famosa no bairro por seus palpites para o jogo do bicho. Volta e meia tinha alguém chamando a vovó no portão, atrás de uma interpretação de sonhos para dali extrair o palpite vencedor, e a coisa muitas vezes funcionava.
Seja para ganhar apostas nas corridas de cavalos, na roleta, fazer uma fézinha no bicho ou arriscar na loteria, o fato é que a humanidade tem, arraigado em seu âmago, esse anseio em sondar o futuro, antecipar os fatos, saber o que virá.

Desde os povos mais primitivos até as altas civilizações os oráculos estiveram e estão sempre presentes. O mais famoso foi o Oráculo de Delfos, na Grécia antiga. Vinha gente de tudo quanto é lado para consultar a Pítia, que respirava uns vapores, ficava doidona e dava seu recado sempre na forma de um enigma a ser decifrado.
Nos Paises Altos, Nepal e Tibet, ao nascer uma criança vinha um sacerdote para ler seu futuro nas estrelas ou nas vísceras de um animal sacrificado. Os japoneses fazem prognósticos lendo as folhas no fundo de uma xícara de chá, os árabes fazem o mesmo na borra do café. A África inteira sempre se movimentou em peregrinações até o Ifá, para ter a sorte decifrada no jogo de búzios, enquanto o povo cigano desvenda passado e futuro nas cartas, lendo as linhas da mão ou se debruçando sobre a bola de cristal.

Na Europa medieval, em plena Idade das Trevas, Nostradamus se tornou célebre com os desconcertantes vislumbres de futuro de suas previsões, que cada vez mais vão se confirmando. Os índios bebem bebidas de poder, feitas com ervas que abrem portais de percepção, para entrar em contato com os antepassados, recebendo deles a herança da eternidade, em sangue e sabedoria. Ou então se submetem a terríveis provas de dor, para através da superação do sofrimento ter acesso ao manancial do inconsciente coletivo e dali extrair respostas para antigos mistérios.
Mesmo para os mais aventureiros o oráculo vem dar conforto, esperança e proteção.

Como os antigos vikings, que antes de saírem numa expedição nos insondáveis oceanos em seus barcos movidos a vela, entregando suas vidas às mãos do destino, recebiam da sacerdotisa a runa daquela viagem. As runas representam os grandes mistérios da humanidade. São vinte e quatro símbolos gravados em pedras, conchas ou plaquinhas de madeira e a vigésima quinta runa é em branco, a runa de Odim. As runas eram jogadas na areia da praia, entre linhas riscadas pela sacerdotisa com uma faca de madeira. A runa resultante era então pintada imensa na vela do barco, como proteção e aviso aos navegantes prestes a se lançarem naquela louca aventura.
Os chineses, sabidos que são, há milênios consultam o I Ching. Contam que os velhos sábios na China prepararam um livro contendo as respostas para todas as perguntas que o imperador poderia precisar fazer, para governar o seu reino, quando estivesse em viagem. As perguntas são simbolizadas por seis linhas superpostas, que podem ser interrompidas ou inteiras, simbolizando o yin e o yang, chamadas de hexagramas.

Há sessenta e quatro combinações possíveis entre essas linhas, e o livro contém 64 respostas, que foram sendo aperfeiçoadas no correr dos séculos. O I Ching é para ser usado quando se tem uma situação objetiva a enfrentar. É preciso pensar com firmeza no assunto, enquanto se joga seis vezes as moedas, para se obter as seis linhas do hexagrama. Então se consulta o livro, que dá respostas sempre adequadas ao problema em questão.
O I Ching é uma obra prima, em matéria de coincidências, tanto que Jung, um dos pais da psicologia moderna, que dedicou muito de seu trabalho aos sincronismos de poder, entendeu a importância do I ching e o trouxe para o ocidente.

Seja num desafio profissional, seja numa nova relação amorosa, numa viagem, numa atitude, numa palavra, num gesto ou num silencio, a todos conforta um símbolo protetor, amuleto, muiraquitã, medalha ou patuá, como alavanca da fé.
Alavanca é a palavra que pode nos fazer entender melhor como essa coisa funciona.

Nossa consciência é uma parcela rasa de nosso cérebro. Temos em nós um tremendo banco de dados, que chamamos de inconsciente, ao qual não temos acesso. Dali nos vêm lampejos, premonições, que se manifestam além de nosso controle. O objeto divinatório, seja ele qual for, pode nos oferecer uma amostra desse vasto conhecimento. A cigana, quando abre as cartas do baralho sobre a mesa, forma um quadro de imagens e emoções que pode ser como um código de acesso, capaz de abrir portais de percepção. De repente acontece com a cigana algo que seu povo chama de VER, um súbito e profundo vislumbre cármico da pessoa a sua frente, um verdadeiro raio X da alma. Nesse instante a cigana vai além do momento, do passado do consulente até ali, em frente às cartas, com nítidos flashes do que virá. Depois é comum que a cigana não se lembre do que foi dito, como se um véu se fechasse sobre aquele vasto conhecimento.

No fim das contas, todas essas práticas são artimanhas para controlar o futuro, driblar o tempo. Tempo este que hoje se sabe que é descontínuo, às vezes anda aos saltos e às vezes se arrasta, faz lindas espirais e volta ao mesmo lugar em situações paralelas, se diverte em nos estarrecer com formidáveis sincronismos e intrigantes coincidências, de tal forma que nos leva a crer que o tempo é uma ilusão.

E por falar nisso, vamos fazer uma fézinha?

VAMOS ÍNDIO

Os índios resolveram tomar de volta a terra dos seus ancestrais.
Nosso governo já havia oficializado legalmente que a terra é deles. Mas na justiça brasileira ainda tem juiz que acha que os índios estão errados. Os índios não sabem falar direito língua de branco. Não conhecem jurisprudência. Não sabem bajular, sofismar, desconversar, embromar.
Só sabem botar cocar, sacudir maracá e dançar, na porteira das fazendas, e ameaçar com suas flechas, gritando que a terra é deles.
Alguém precisa falar pelo índio, com argumentos que os brancos entendam.
Porque os brancos não entendem nada de índio.

Pra começo de conversa, índio não tem essa de capitalismo. Não junta objetos pra ganhar importância, pra se sentir superior ao índio da oca ao lado. Planta mandioca e banana pra comer, numa quantidade certa. Não planta nem um pé a mais. Não perde um minuto do seu tempo pra provar que tem mais do que os outros. Quer é tomar banho de rio, pescar, fazer flecha e procurar caça, conversar ao redor da fogueira, fazer tinta com urucum, óleo de jenipapo e carvão e pintar o corpo e o rosto, dançar suas danças, disputar glória em jogos de luta corpo a corpo nas festas da tribo e fazer amorzinho comprido com a índia na rede, enganando a friagem da noite na mata.

Índio fica num lugar até a caça começar a escassear. Aí se muda, leva a borduna, arco e flecha, umas cuias e penas, uns trançados de embira, umas bananas pra assar na brasa, e é só.

Tudo que ele precisa, a natureza dá, onde ele estiver. Lenha,é só catar. Fogo, ele faz na hora. Rede, ele arranca tiras de casca de uma certa árvore, amarra entre dois troncos e já tem a rede. Espalha timbó na água do remanso do rio, pros peixes dormirem, depois colhe os peixes com a mão, como quem colhe fruta.
Índia nunca bate em seu filho. No entanto, se a criança rastejar, atraída pelo clarão da fogueira, deixa que ponha a mãozinha na brasa e chore de dor, pra que aprenda a respeitar o fogo.Índia sabe que não deve ter filhos demais, pra comida não escassear. Cuida do seu curumim, com dedicação total, por três anos. Durante esse tempo ela toma uma beberagem feita de umas raízes raladas, umas batatinhas, que a impede de engravidar. Depois desses três anos, quando o curumim já sabe andar, falar e comer sozinho, a índia pára de beber a batatinha e começa a esfregar suas partes íntimas com uma certa folha, que dá uma sensação boa de coceirinha. Aí ela fica com uma vontade danada de coçar......e engravida de novo.
Sem fazer alarde, naturalmente, o índio faz a programação familiar que os governos quebram a cabeça pra conseguir que aconteça. Vamos depressa aprender com o índio, pois o planeta vai explodir, de tanta gente. E a comida não vai dar...

Branco acha que índio é importante quando é pajé, não é?
Pois ninguém na tribo escolhe quem vai ser pajé. De vez em quando, um jovem se apresenta, dizendo que viu nos sonhos que devia tentar o caminho do pajé e abandona a tribo.Vai pra tapera do pajé, no meio da mata. A princípio, é tratado como se fosse invisível. Dedica todo seu tempo a espiar o que o pajé faz. Segue o pajé nas colheitas de plantas, observa o preparo das poções, aprende os cantos de cura. Isso pode levar anos. Aos poucos começa a cumprir tarefas de ajudante, é iniciado nas ervas alucinógenas, vai gradualmente ganhando firmeza, auto controle, sabedoria.
Até que chega o dia da grande prova final. Se passar nessa prova, ele se tornará pajé. Se falhar, vai tentar outras vezes, até conseguir.

Na tribo dos índios Gavião, na Rondônia, essa prova é ficar sentado, dentro da água do rio, só com a cabeça de fora, por uma semana. Foi o pajé Sebirope quem contou. As índias ficam cantando e beliscando o rosto do candidato, pra mantê-lo acordado, lhe dando na boca bebidas quentes. No dia em que a prova termina, o corpo do índio tem que ser retirado da água suave e lentamente, enovelado em folhas de bananeira, besuntadas com óleo de jenipapo, e ficar por horas imóvel, até que a casca endureça.
A pele se torna tão mole, por causa da imersão prolongada, que qualquer movimento, qualquer atrito, causará uma horrível ferida. A partir daí, será respeitado por seu poder pessoal, será capaz de fazer curas, achar pessoas perdidas na mata e prever fatos. Se tornará pajé.

O poder do branco, o tal do capital, vem de fora pra dentro.
E o do índio, o poder pessoal, de dentro pra fora.
Para os índios a terra é um ser vivo, ele está integrado nela, é parte dela.
Tirar a terra do índio é roubar sua identidade.
Antes que desapareçam todos, tragados pela voracidade da civilização, vamos procurar aprender com os índios a ter essa aliança com a natureza.
Vamos índio....

UMA QUESTÃO DE FÉ

Só por hoje eu tive fé. Outro dia ouvi essa frase e ela ficou na minha cabeça. Só por hoje, que nem nos AA. Um dia de cada vez.

As pessoas acham que a fé é uma presença absoluta e imutável, uma verdade eterna para os que a possuem.
E os outros, os céticos, os ateus, ficam relegados a um limbo sem glória, invejando os privilegiados que tem a tal de fé.
Mas o fato é que a fé, como tudo na vida, oscila, fica nublada, escasseia, sofre convulsões, se transforma e às vezes some.....mesmo para quem afirma andar sempre com ela.

Num enfoque religioso, a fé é sempre direcionada para alguma coisa.
Tem-se fé em Deus, ou nos santos, ou num dogma. A fé é mesmo capaz de nos conectar com o sagrado, com energias mais sutis, mais profundas.
Mas há sempre o risco do equívoco de associar a fé ao milagre, como se fosse causa e efeito.
“Se tiver fé, o milagre acontecerá!”
Essa é uma promessa vã, como a que é feita para engambelar uma criança, ao dizer que, se ela se comportar bem, ganha um doce. Pode haver um desejo enorme de um milagre, mas não se pode ancorar a fé à realização de sonhos ou desejos. No entanto, a fé já é um milagre, em si mesma. E, estando em sintonia com o milagre, é natural que outros milagres aconteçam.

Na perplexidade de um momento de decisão, ás vezes pedimos um sinal aos céus. Então a fé nos prega peças, nos enviando sincronismos assombrosos. São concordâncias, se estamos no rumo certo, e presságios de agouro, quando há perigo à vista.
Estar atento aos sinais é uma prática que pode transformar nossa vida numa estrada mágica, toda sinalizada pelos nossos protetores. O risco, como sempre, é cair no exagero.
Quando as pessoas se sentem libertas, quando percebem a vida além da culpa e do pecado, do céu e do inferno, conseguem abarcar o universo com uma clareza abrangente. Mas muitas vezes acabam caindo em outra armadilha, a das superstições. A consciencia do invisível é fruto da fé, mas a superstição é fruto do medo, e a linha que separa uma coisa da outra é sutil. Nessa hora, quem pode nos salvar é o velho bom senso, a sabedoria ancestral de nossas avós, com suas lendas e simpatias, adágios e receitas caseiras.

É importante considerar também que muitas coisas que foram encaradas como magia eram, na realidade, sabedoria não explicada, mistérios ainda não desvendados.
Como, por exemplo, o uso feito pelos ciganos do bolor do queijo para curar feridas, muito antes de descobrirem a penicilina.

A conclusão que chegamos é que ter fé é algo que não tem necessariamente que ver com o sagrado. Mais do que nos fazer crer ou mesmo compreender, o que a fé faz é nos conectar, religar.

A fé nos empurra para uma outra faixa de percepção, um outro estado de consciência, onde a compreensão de tudo é mais ampla, mais nítida, um estado de tranqüilidade compassiva. A fé nos permite ter um ponto de vista abrangente, acima do enfoque individual.
A mecânica da fé pode ser alavanca para tudo na vida, desde encarar os medos até cumprir tarefas, de conquistar uma pessoa até ganhar um troféu. A fé nos faz superar limites, ter paciência, decorar a lição, fazer o discurso, tocar a música, dar o salto mortal, dar o “sim!” no altar, ganhar a competição, bater o recorde.
Existe um ponto bem no centro de nosso corpo, três dedos abaixo do umbigo, onde toda a energia do nosso ser se enovela. Dali parte nosso comando de força, o foco de nosso intento, o impulso de nossa vontade. Quem se conecta com esse ponto é sempre vencedor, pois tem fé em si mesmo. Fé, apenas fé, geratriz da energia pura, do intento, do exercício da vontade. Essa é a fé que transforma a opinião em holograma. Independente de religião ou crença, a fé é em nós o que nos faz capazes até de, como se diz, mover montanhas.

Tem uma seita japonesa chamada Perfeita Liberdade, que diz que nosso coração é como um pote com tampa. Que o universo derrama maravilhas sobre nós, e cabe a nós apenas tirar a tampa para que nosso pote se encha delas. E é a fé que tira a tampa do pote...
A fé, aplicada à vida cotidiana, se torna auto-confiança. Numa situação de perigo, a fé é coragem, valentia. Em momento de decisão, a fé é sensatez, cautela, equilíbrio. Na dor, ela é compaixão e abnegação. Numa relação amorosa, é confiança. E, na relação com Deus, a fé é o estado de graça.
Uma entidade de luz me disse um dia que “nunca se deve deixar apagar a lampadosa da alma.” Daí podemos deduzir que a alma da gente é como uma vela acesa, que tem de ser protegida numa redoma, para que maus ventos não a apaguem, e ser alimentada como uma chama, que sem combustível se apaga. A redoma é o amor. E o combustível é a fé. _

DA COR DO PECADO

Assim como noite e dia, o mal e o bem estão sempre presentes, na história da humanidade. Uns dizem que o mal é uma entidade real e atuante, tanto quanto o bem, e que essas duas forças se enfrentam, como numa eterna queda de braços, dentro da condição humana.

Outros argumentam que o mal não existe, que ele é a ausência do bem, tal como o escuro é a ausência da luz.
De uma forma ou de outra, o pecado sempre mora ao lado. Desde o pecado original, marcado em cada umbigo, tem pecado de tudo que é jeito, dos hediondos mais inconfessáveis até aqueles derramados nos ouvidos dos padres antes da primeira comunhão, pecadinhos tão pequenininhos que não fazem mal a ninguém: botar a língua pra professora, roubar pirulito, colar na prova......mas que estão sempre por aí, atormentando mentes e corações com o peso da culpa, mea culpa, mea máxima culpa.
E há aqueles sete, os ditos capitais, sempre sendo o cerne da tragédia e da comédia da vida: preguiça, gula, luxúria, ira, soberba, avareza e inveja.
Como drogas, viciam até a perdição, se não colocarmos limites em nós mesmos.

A preguiça sabe ser delícia, na hora certa, pausa pra refrescar, vírgula na vida corrida.
Mas se deixarmos que se alastre, danou-se. Aprisiona o sujeito numa inércia malsã.
A gula anda sempre perto da preguiça, domina a gente nos apelos à matéria, nos prazeres fugazes do paladar. A prazerosa gula se torna dramática, quando o sujeito acaba morrendo esmagado pelo próprio peso, que nem uma baleia fora d’água.
Luxúria é moda, é instigante, é sedutora. Sexo sem amor, como grito de libertação?
Vã ilusão. Faz o coração virar um buraco, que quanto mais se tira maior fica, onde a luz não entra e a solidão fustiga.

Fustigado pela ira, o vivente destrói num momento o que levou anos pra construir.
A ira passa, como um tsunami, e deixa um rastro de destruição. Contra a ira, o melhor a fazer é seguir o antigo ditado da roça: a raiva, a gente manda ela embora com raiva, que ela vai embora com uma raiva danada. A soberba, essa é insidiosa, se veste de virtude, assoberbada, ocupada, atarefada, não deixa sobrar tempo pra nada que seja essencial, luminoso, amoroso. Soberba arrogante, pedante, esnobe, preconceituosa, intragável. Eita pecado esse, mais antipático... Costuma andar de braço dado com a avareza, a odienta, insaciável fome de bens materiais. Essa também, em pequenas doses, é parcimônia, temperança, qualidade virtuosa. A avareza é prima da inveja, ambas motivadas pela posse.

Inveja e ciúmes, duas faces da mesma moeda, pura ilusão de possuir.
Há quem se vanglorie de ser ciumento “o que é meu é só meu!”, como se isso fosse uma qualidade do bom amante. Já a inveja, essa ninguém confessa. Se infiltra como erva daninha nas relações humanas, corrói por dentro, sai pelos olhos num raio quente, rubro, e seca pimenteira, não é balela, não.
Tive uma planta, trepadeira robusta que ornava o arco da varanda, cauterizada pelos olhos arregalados de uma senhora que veio me visitar, quando ganhei minha primeira filha. A criança deu de chorar sem parar, me estranhando quando eu ia dar colo, teve até febre, só teve jeito com rezadeira. A planta, não. Morreu queimada, mesmo. Uma pitada de ciúme, até que é bom, tempera o romance. Mas se exagerarmos na dose, tudo fica intragável. A inveja também, um pouquinho dela nos faz dar o impulso para sair da nossa zona de conforto e arriscar o salto, o sim, o vamos ver, o tô dentro.
De onde se conclui que a diferença entre o veneno e o remédio, entre o pecado e a virtude, entre o certo e o errado, é só uma questão de dose.

Se cada pecado é uma lacuna, a ausência de uma virtude, a cada pecado capital corresponde uma virtude também capital.
Contra a preguiça, o impulso do entusiasmo. Canalizar a gula para a qualidade do alimento, e não a quantidade. A luxúria ganha novos matizes com a descoberta da ternura. Para combater a ira, a estratégia da paciência. Toda soberba se transforma, perante a verdadeira humildade, que ensina a saber ser humilde sem se humilhar.
O avarento precisa combater sua mesquinharia com a generosidade e perceber que a caridade liberta, que tudo que se dá prazerosamente retorna em dobro. E o invejoso consegue quebrar a ilusão da posse abraçando a gratidão.
Há uma corda de três fios feita de fé, esperança e caridade, que leva à luz, ao tal estado de graça, que todo mundo já ouviu falar. E existe também uma corda trançada em sombras formada por medo, raiva e ansiedade. Essa corda se chama tristeza.

Por isso, para preencher as lacunas, sair das culpas e dos pecados, se livrar do peso, aliviar o coração, a solução infalível é apelar para a alegria. Ria, ria sempre, ria muito, ria para salvar sua vida! A escolha é de cada um de nós, a cada instante, a cada encruzilhada. Quase tudo vale menos que uma boa gargalhada.

A CURA PELOS CRISTAIS

Quando um homem branco chegou e ateou fogo na aguardente, os índios o glorificaram como um deus, pelo poder de incendiar a água. As pessoas costumam chamar de milagre tudo que não compreendem, até que a ciência venha a explicar o fenômeno.
Apesar de todos reconhecerem que os corpos dos seres vivos emitem energia, o magnetismo ainda é tido como algo misterioso, pelos ocidentais. No entanto, desde a antiguidade, diversos povos descobriram a forma de utilizar o magnetismo para cura.
A acupuntura e outras práticas de cura orientais se baseiam no fluxo de energia magnética dos corpos. A medicina cigana é toda baseada nisso, através do uso da argila e dos cristais.

A luz não passa através de uma pedra comum e passa através de um cristal porque os elementos que compõem o cristal estão arrumados em fileiras, ordenadamente. Tal qual os chips, usados em computadores. Cristais são verdadeiras pilhas magnéticas, que emitem ou absorvem energias. Eles atuam no nosso campo energético da pele para fora, alinhando nossos chakras. Há um campo de energia que vibra ao redor de nós, do mesmo modo que vibra em torno da terra. A gente pode harmonizar essa força magnética e assim aliviar diversas indisposições para as quais a medicina oficial pouco liga. Desde medo de escuro até cólicas menstruais e ardores da menopausa, de enjôos em transito até cicatrizações rápidas, os cristais fazem efeito de forma simples e indolor, numa eficiência que chega a parecer mágica. Os cristais também harmonizam ambientes, são excelentes filtros de proteção.

A ansiedade, a pressa, a sujeira e os conflitos do mundo entram em nossa casa gerando tensões e desarmonia. Isso pode ser resolvido colocando um cristal apropriado perto da porta da rua, outro no computador, um onde fica o telefone e mais um ao lado da TV. No entanto, se você quer ter cristais em casa, assuma a tarefa de limpá-los regularmente.
Devem ser lavados em água, de preferência com pétalas de rosas brancas, e depois tomarem um bom banho de sol, para recarregar.
Existem em nosso planeta uma infinidade de tipos de pedras, mas para nosso uso bastam algumas delas. Em nossa cabeceira devem ficar os cristais de alinhamento do corpo, usados nos sete chakras principais.

São a ametista, de cor roxa, no alto da cabeça. A azurita ou a sodalita azul escura, no meio da testa. A água marinha azul clara para a garganta, que pode ser colocada na água que vai ser bebida durante a noite e ao acordar. No chakra cardíaco usamos o quartzo verde e o quartzo rosa. Logo abaixo, sobre o diafragma, o amarelo do topázio ou da pedra citrina. No umbigo, podemos usar uma ágata laranja para disfunções hormonais e as pedras marrons, como a ágata ou o jaspe, para disfunções digestivas. Entre as pernas, no chakra básico, usamos um ônix negro. Substitui bem o vermelho rubi, que é raro e caro.

Essas pedras de alinhamento devem ser cristais que caibam na palma da mão, pedras roladas, sem arestas, para facilitar o contato com a pele.É só deitar e colocar os cristais sobre os chackras, ficar uns quinze minutos relaxando, respirando através das pedras. Logo o mal estar passará. Em caso de desconfortos crônicos, como cólicas menstruais, é só prender com esparadrapo uma pequena ágata laranja na altura do umbigo e ficar com ela por algumas horas. Se, depois de algum tempo, sentir vontade de tirar a pedra dali, tire. A pedra avisa, quando fica saturada. É bom ter um punhado de ágatas laranjas para esse fim, de modo a fazer um rodízio. Enquanto uma ágata está no corpo, outra está descarregando no sal grosso e outra está no sol, sendo energizada para ser reutilizada.

Tenho sempre em casa alguns cristais para emergências.
A esmeralda tem um grande poder cicatrizante e impede a infecção dos cortes.
Não é à toa que ela é a pedra do médico.
A hematita seda dores musculares e é ótima para ajudar a colar ossos quebrados.
Minha mãe, com mais de 80 anos, quebrou o osso do joelho e os médicos ficaram perplexos ao constatarem que o osso do joelho dela se recompôs na metade do tempo que eles haviam previsto. Mas eu não contei a eles que tratei do joelho dela com hematitas. Eles não iam acreditar, mesmo....
A granada explode abcessos e furúnculos, traz para fora em poucas horas tudo que tem de ser expurgado.
A turmalina negra é um escudo para vibrações densas, como raiva, inveja, ciúmes.
E o quartzo fumé, usado em articulações inflamadas, faz milagres.

Há muito a dizer sobre os cristais.
Presenciei inúmeros casos de cura e alivio, desde que passei a me debruçar sobre essas benditas dádivas da natureza.
Assim como as matas são os cabelos e os rios são veias, os cristais são os olhos da Terra. Os maravilhosos olhos de Gaia, abertos para dar luz a quem quiser ver.

ESSA TAL DE FELICIDADE

Já dizia o nosso poetinha que a felicidade é uma gota de orvalho numa pétala de flor. Um quase nada, que nos dá um vislumbre do infinito. A tal de felicidade, cantada em prosa e verso, é o que todos querem, no entanto ninguém sabe dizer o que ela é e onde ela está. Já diz a Bíblia que não se deve buscar a felicidade em nada que possa apodrecer ou enferrujar. O ouro não se deteriora, por isso é valioso, mas nem o ouro garante a felicidade. Riqueza, poder, sucesso, metas que são tão disputadas e sonhadas por tantos, quando alcançadas podem trazer em seu bojo tamanha solidão, tanta pressão da moenda do poder, que muitas vezes levam o indivíduo à depressão, até mesmo ao suicídio.

A glória é outra ilusão fugaz, que passa e não volta. Muita gente fica correndo em vão atrás daquele instante triunfante de auto-endeusamento, que vicia mais do que muita droga. Como artista, vivo nos palcos e já provei muitas vezes desse elixir. Fiquei definitivamente vacinada contra a embriaguez da glória depois de ficar horas, sentada num meio fio na porta de um hospital, ao lado de um trailer que vendia comida, numa cidadezinha perto de Belo Horizonte, ensanguentada e descalça, depois de um acidente de carro, na volta de uma triunfante tournée. Imploramos em vão por uma esmola pra comprar um café e as pessoas viravam a cara, fingindo que não nos viam, eu de nariz quebrado e minha amiga com as mãos seriamente queimadas. O hospital só nos atendeu depois que o pessoal chegou, com nossos documentos. Na véspera, depois do último show em Brasília, tínhamos sido recebidos pelo embaixador da França, que ficou fã do nosso som e nos ofereceu um jantar régio, com direito a brindes de champanhe e crepes flamejantes. Em menos de 24 horas fui de princesa a mendiga. Depois disso, passei a curtir a glória como o pato curte a água. O pato gosta, mas a água não penetra...

Um lama, enrolado num simples manto laranja, sem possuir nada além de sua tigela de arroz, é perfeitamente feliz entre mantras e orações. Mas é um engano achar que abraçar uma religião é garantia de felicidade. Se fosse assim não existiriam pastores corruptos, padres desmoralizados, nem tantos pecadores nos confessionários.
A sociedade manipula as pessoas com a ilusória promessa de que se todos forem bonzinhos, seguindo as leis dos homens e tementes a Deus, terão a felicidade como prêmio. No entanto a coisa não funciona desse modo. A felicidade não é troféu que se dispute, nem brinde que se ganhe.

A liberdade é outro anseio que as pessoas associam à felicidade. Romper as regras da sociedade pode ser especialmente saboroso. O gosto daquela manga comprada num supermercado não se compara ao sabor, guardado na memória, das mangas roubadas
no quintal do vizinho, quando a gente era criança. O momento de transgressão como símbolo de instante feliz leva muitos a desafiarem as normas, a seguirem contra a corrente em busca de uma efêmera felicidade e caírem no abismo da dependência das drogas e outros vícios, até se perderem na marginalidade.

Resta ainda o sonho do par perfeito, de ser feliz encontrando um grande amor.
Algumas pessoas tiraram a sorte grande e conseguiram realizar esse sonho, porém a gente sabe que no dia a dia, na dura realidade da luta pela sobrevivência, o encanto muitas vezes se perde, só restando o acomodamento numa relação frustrante, que não faz ninguém feliz. Então, onde está a tal de felicidade?

Acho que a melhor resposta que conheço para essa pergunta está num antigo texto tailandês , usado como uma espécie de oração. Na tradição de lá, essas palavras são lidas em voz alta durante todo o parto de príncipes e princesas, para que os herdeiros do trono já nasçam sabendo das verdades essenciais da vida.
Diz assim:
“O homem se interroga. Acontece que ele se interroga porque dentro da interrogação ele é Deus. Dentro de Deus, ele é um homem. Quando ele pára a interrogação, ele pára Deus. Ele se torna um homem cansado. Um homem cansado compreende. E, compreendendo, uma distancia se instala entre ele e ele mesmo. Essa distancia é para ser vivida até o fim. No fim, se sabe. E, se sabendo, o homem tem que começar a se interrogar através dos outros. Interrogando através ele se torna Deus, através. Homem, através. Humanidade. Amante. Aquele amor maravilhoso que nos faz sentir um céu cheio de estrelas como um feliz acidente de poeira. E, se então, ele não encontrou a alegria de viver, então ele não sabe existir.”

 
 
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